O seu par
Lá está ele, sentado no banco do jardim a ler o jornal, tal como acontecia todos os dias, pelo menos nos últimos 2 anos...
Nunca se interessara por notícias, dizia que saber dos seus e do que se passava no seu bairro era mais do que suficiente para se sentir informado!
Não significa que fosse desinteressado sobre o mundo, bem pelo contrário, adorava ler livros históricos, saber mais sobre batalhas de tempos , em que ainda não existiam "notícias de última hora"! Passava horas a foi embrenhado em histórias de rainhas e reis, de cowboys e índios, de eras em que o digital ainda não era sonhado! Achava que os jornais e televisões se longínquos demasiado na vida das pessoas e das nações!
Opinião tão diferente da sua companheira de mais de 40 anos! Para ela, ler o jornal acompanhada de uma caneca de café fresquinho, no seu cadeirão, quando toda a família já tinha saído era essência! Para a sua existência, para estar a par do mundo! Não conseguia entender o porquê dele não gostar mas respeitava, tal como ele a deixava sossegada no seu momento de leitura.
Mesmo nesta fase da vida em que já não passava o dia fora de casa como noutros tempos, fazia questão que ela mantivesse o seu ritual.
Como era o primeiro a levantar-se, recolhia do passeio, o saco que continha as frescas do dia e colocava-o com todo o carinho do mundo na mesa de apoio, enquanto aquecia a água para o café e a acordava com todo o amor que sentia por aquela mulher!
Um amor que crescia todos os dias mesmo estando juntos à mais de 4 décadas! Tinham um carinho e um cuidado um pelo outro, que só um casal que já passou muitas aventuras e desventuras na vida e que se mantêm unido pode sentir. No tempo em que se conheceram as meninas não saíam de casa sozinhas muito menos para ir a festas.
Por isso, o pai tinha pedido o rapazito com quem trabalhava se poderia acompanhar a sua filha mais nova à festa de ano novo! Inicialmente não tinha achado muita graça ao que o pai fizera mas na realidade o que lhe importava era ir à festa e se para isso tinha de ir com guarda costas, então que assim fosse! Nunca imaginou que ali estaria o seu par, não só para a festa mas para a vida! Sempre foram cúmplices e companheiros e adoravam relembrar aquela noite, em que os seus caminhos se cruzaram mesmo que numa primeira fase, obrigados.
Passavam horas a relembrar os tempos em que todo era novidade mas não descoravam os planos e projectos para o futuro! Queriam aproveitar ao máximo esta fase da vida sem horários, sem stress!
A vida não fora sempre cor de rosa mas sempre fizera sentido juntos e por isso ele agora sentia-se perdido no mundo!
Estava sozinho... claro que tinha os filhos e os netos que perpetuariam a presença dela mas isso não lhe chegava. Tinha os amigos de uma vida inteira para o apoiar mas perdera a sua melhor amiga e ninguém a poderia substituir!
O mundo desabara na sua cabeça no segundo em que ela desapareceu! Deambulava pela casa e sentia-a em cada esquina mas o ardor que sentia no peito transfigurava-o! Aos poucos foi-se erguendo, repetia para si mesmo, que ela estaria a observa-lo e a irritar-se por vê-lo naquele estado.
Ela que sempre fora uma mulher energética e cheia de vida iria, garantidamente chatear-se com ele assim, na cama o dia todo, à espera de nada!!!
Tinha dezenas de jornais empilhados na mesa, por serem lidos! Ganhou coragem, agarrou no molho de folhas e enfiou tudo num saco do lixo! Todos menos o do dia!
Arranjou-se, o melhor que conseguia, saiu de casa em direcção ao parque, com o jornal debaixo do braço. Antes de sair de casa ainda olhou para o cadeirão... piscou-lhe o olhou e seguiu caminho!"