Se lhes perguntarem à quanto tempo estão juntos, seguramente irão responder: "uma vida inteira"!
Não por ser cliché ou para impressionar mas porque é verdade. Não têm memória de existirem sem o outro ao lado, estão juntos desde o tempo em que faziam planos carregados da inocência própria de quem não conhece a vida.
A vida de cada um entrelaçara-se de tal forma na do outro que não era possível as dissociar. Era um coração, uma cabeça mas 4 braços para se abraçarem!
Apesar das muitas rugas e cabelos brancos, ainda é no peito dele que se sente em casa, em paz!
A vida não fora fácil mas mesmo nos momentos mais complicados nunca se largaram e sabiam perfeitamente que só estando um com o outro seria possível ultrapassar qualquer problema. Só ele a conhecia totalmente, talvez de uma forma que nem ela mesmo se conhecesse. Sabia que quando andava calada era porque algo a preocupava, que quando chegava junto dele e mordia o lábio de baixo, teria uma novidade que ele iria adorar.
Era o único que conhecia o ritual religiosamente cumprido todas as noites antes de dormir, de ler três páginas do seu livro. Nem mais nem menos. Dizia que uma ou duas não era o suficiente para sentir que estava a ler e que a partir da quarta entusiasmava-se, já não lhe apetecia parar e sabia muito bem que ele não consegue dormir de luz acesa.
Os filhos e os netos diziam na brincadeira que tinham sido feitos um para outro. E tinham mesmo, ou pelo menos, ela acreditava fervorosamente nessa ideia. Dizia que se assim não fosse, o coração dela não seria capaz de aguentar tanto amor!
Ele não perdera o hábito de mesmo rodeado de muita gente, lhe ir sussurrando docilmente ao ouvido, declarações e juras de amor!
Ela não saía de casa sem lhe dar um beijinho.
Sabia que nem todas as pessoas tiveram a sorte que ela tivera e não ia desperdiçar a sua!
Estava ali o maior tesouro que alguma vez poderia ter descoberto na vida e fazia de continuar a cuidá-lo como tal.
Chegaste de mansinho e sem que eu desse conta! Quando dei por ti já não sabia viver sem a tua presença!
Foste aproximando, ganhando um espaço único, que eu desconhecia que estava guardado para ti.
Estiveste ao meu lado sempre, quando gritava por ti mas principalmente quando a vergonha de te chamar se sobrepunha à vontade que tinha de te ter ao meu lado. Nunca esperaste pelo me apelo. Aparecias e não arredavas pé até achares que podias ou devias.
Tornaste te na minha fortaleza mas também no meu companheiro de palhaçadas e tontices. Contigo posso partilhar todos os disparates que me passam pela cabeça sem receio da critica ou do olhar "não digas isso que parece mal". Criámos uma linguagem nossa e ao teu lado descobri que existe um mundo novo sem qual eu não quero ficar. ´ Juntos rimos até nos doer a barriga sem qualquer vergonha. E os nossos olhos já dizem mais que a nossa boca.
Ainda bem que apareceste! Hoje sei que o mundo não teria a mesma cor se não estivesses comigo e não tenho dúvidas que este recanto é teu!
Desde miúda que se habituara a ler romances de cordel e apesar de saber que estas histórias só existem no papel, lá no fundo, bem escondido e secreto vivia a esperança de um dia viver um amor arrebatador!
Nunca tinha tido coragem de mostrar a ninguém a sua grande colecção de livros e folhetins, muitos deles oferecidos pela tia avó que lhe incutiu o gosto pela leitura. Sabia que não tinha mal nenhum mas não conseguia deixar de sentir uma pontinha de vergonha e de achar que se iriam rir e achá-la ridícula.
Não se iludia no dia a dia mas naqueles momentos, embrenhava-se naquele mundo paralelo e permitia-se viajar, divagar e até por instantes ser umas das personagens que conhecia tão bem como se se tratassem de suas amigas de infância. Vivia cada livro com todas as suas emoções e sensações.sem se prender ao que achava certo ou errado. Permitia-se a muito mais do que alguma vez o fizera na vida a cores.
Já se tinha envolvido em alguma relações, umas mais conseguidas do que outras e neste momento até estava numa chamada fase boa mas mesmo assim não conseguia por de lado as vidas que a faziam sair da sua. Por vezes tinha a sensação que estava a trair a sua história, como se o facto de ler os seus romances fosse um protesto sobre o que estava a viver. Mas acreditava que não, na realidade sentia-se muito bem na sua pele. Encontrara alguém que a compreendia, que a preenchia e com quem tinha vontade de partilhar sonhos e projectos.
Mas a ideia de largar os seus amigos de papel assustava-a, era como se senti-se em casa cada vez que abria um dos seus livros, mesmo os que estavam forrados para que ninguém se apercebe-se do que estava a ler.
A tarde já ia alta quando tocaram à campainha e deixaram um embrulho à porta. Intrigada, começou lentamente a desdobrar o papel colorido que cobria um caderno e uma caneta, sentia que estava a viver uma das cenas que tanta vez lera e relera. Soltou uma gargalhada enquanto lhe corriam as lágrimas pela cara. Não viu quem lhe deixara a prenda mas também não precisava, sabia perfeitamente!
Na primeira página, ele rabiscara: "Para criares o nosso romance de cordel!"
Agora sim, seria a protagonista desta história, com muitas páginas por escrever!